Fiz esse artigo enquanto estava na faculdade, a pedido de um escritório em São Paulo, como parte de um processo seletivo. A solicitação veio no dia 9 de dezembro de 2022, às 11h53, e o tema era a regulação das big techs na Europa e no Brasil. Como já acompanhava esse assunto, achei interessante desenvolver o texto trazendo as diferenças entre o Digital Markets Act (DMA) da União Europeia e o Projeto de Lei nº 2768/22, que estava em andamento no Brasil na época.
O Digital Markets Act (DMA) tem como objetivo limitar o poder de mercado das big techs, estabelecendo critérios objetivos para identificar empresas que atuam como gatekeepers no mercado digital. Segundo a nova legislação europeia, gatekeepers são empresas que prestam serviços de plataforma principal, incluindo intermediação, motores de busca, redes sociais, plataformas de compartilhamento de vídeo, serviços de comunicação interpessoal, sistemas operacionais, computação em nuvem, serviços de publicidade, navegadores da web e assistentes virtuais. A Comissão Europeia argumenta que os gatekeepers favorecem seus próprios serviços e dificultam a concorrência, restringindo a escolha dos consumidores e promovendo o self-preferencing.
Para que uma empresa seja considerada gatekeeper e esteja sujeita às regras do DMA, ela deve atender a pelo menos um dos seguintes critérios. Deve ter um faturamento no mercado interno europeu de pelo menos 8,5 bilhões de euros por ano ou uma capitalização de mercado superior a 75 bilhões de euros. Além disso, precisa prestar serviço de plataforma em pelo menos três Estados-membros da União Europeia, ter mais de 45 milhões de usuários ativos mensais na UE e possuir mais de 10.000 usuários corporativos estabelecidos na UE no último exercício financeiro. Outro critério relevante é a posição consolidada no mercado, sendo necessário cumprir os requisitos nos três últimos exercícios financeiros.
O artigo 3º do DMA permite que a Comissão Europeia sancione empresas que não atendem integralmente a esses critérios, desde que tenham um impacto significativo no mercado interno. Já o artigo 5º prevê restrições que podem afetar a autonomia das empresas, como a obrigatoriedade de permitir a modificação de gateways de pagamento e softwares por terceiros. Caso uma empresa descumpra as regras do DMA, poderá ser penalizada com uma multa de até 6% sobre seu faturamento anual.
No Brasil, o Projeto de Lei nº 2768/22, de autoria do deputado federal João Maia, propõe a regulação das plataformas digitais, alterando a Lei Geral de Telecomunicações para incluir atribuições específicas à Anatel. Entre as medidas propostas, estão a expedição de normas para operação de plataformas digitais, a fiscalização e aplicação de sanções, a resolução de conflitos entre plataformas e usuários e a interpretação da legislação aplicável ao setor.
Assim como na União Europeia, o projeto busca garantir concorrência justa e evitar abusos de mercado. No entanto, diferentemente do DMA, ele não utiliza critérios de faturamento europeu para definir big techs, estabelecendo um parâmetro próprio. Empresas com receita operacional anual superior a R$ 70 milhões deverão garantir transparência no uso de dados, tratamento isonômico na oferta de serviços e não recusar a provisão de determinados serviços sem justificativa adequada.
O projeto também prevê a criação do Fundo de Fiscalização das Plataformas Digitais (FisDigi), que destinará recursos para o desenvolvimento de serviços digitais inovadores. Empresas que descumprirem as regras estarão sujeitas a penalidades, incluindo advertência com prazo para correção das irregularidades, multa de até 2% do faturamento do grupo econômico no Brasil, obrigação de fazer ou não fazer determinadas práticas, suspensão temporária das atividades e, nos casos mais graves, proibição de operação no país. O texto do projeto ainda aguarda despacho da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, e suas futuras tramitações definirão o rumo da regulamentação no Brasil.
A regulamentação das big techs vem ganhando força tanto na União Europeia quanto no Brasil, com propostas que visam limitar o poder de mercado dessas empresas e garantir maior concorrência e transparência. O DMA estabelece critérios objetivos para definir gatekeepers e impõe restrições severas para evitar práticas anticompetitivas, com penalidades financeiras significativas. Já o Projeto de Lei nº 2768/22, ainda em tramitação no Brasil, propõe um modelo de regulação inspirado no DMA, mas com adaptações à realidade do mercado nacional. A fiscalização ficará sob responsabilidade da Anatel, e o fundo FisDigi será criado para apoiar o desenvolvimento do setor.
A principal diferença entre as duas abordagens está nos critérios para definir big techs. Enquanto o DMA considera faturamento e alcance global, o projeto brasileiro estabelece um critério financeiro baseado na receita operacional anual de R$ 70 milhões. Além disso, o DMA já está em vigor e aplicando sanções, enquanto o projeto brasileiro ainda aguarda tramitação. Se aprovado, o Projeto de Lei nº 2768/22 pode representar um avanço na regulação do mercado digital no Brasil, mas também levanta desafios sobre sua aplicação, fiscalização e impactos no setor de tecnologia. O equilíbrio entre inovação, competitividade e regulação será essencial para evitar excessos e garantir um ambiente digital mais justo para empresas e consumidores.